quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A Morte e os Gêmeos

Há muito tempo, quando os bichos falavam e o sol e a Lua nasciam juntos, um casal teve gêmeos. Pedro e Paulo, exatamente à meia-noite. Uma velha advinha, conhecida da família, disse que Pedro morreria aos vinte anos. Então os pais resolveram confundir a Morte: passaram chamar Pedro de Paulo Pedro e Paulo, Pedro Paulo.
Quando os gêmeos completaram vinte anos, Paulo Pedro se escondeu num armário, desde manhã cedinho. Disse para mulher:
-Se me procurarem, diga que fui viajar.
A Morte foi até a casa dele antes da meia-noite – como sempre, vestida de preto, a caveira escondida pelo capuz e a gadanha na mão direita. Quando a mulher de Paulo Pedro atendeu a porta, a Morte disse:
-Não se assuste. Não é com a senhora. É com seu marido.
-Meu marido está viajando.
-Ele devia estar aqui.
-Mas está viajando.
-Ele não se chama Pedro?
-Não, se chama Paulo.
A morte pensou um pouco e se foi para casa de Pedro Paulo. Havia uma grande festa lá – muita bebida, muita dança. A Morte foi direto falar com o aniversariante.
-Você é o Pedro?
-Sim, sou o Pedro.
-Então venha comigo – a Morte disse.
-O quê?!
-Vamos.
-Quem é você?
A Morte não disse nada. Só olhou para Pedro Paulo. Então ele viu que não era alguém fantasiado para a festa.
-Mas já?!
-Você sabe, pra morrer basta estar vivo.
-Não é justo! Eu mal fiz vinte anos!
-Isso mesmo. Minha missão, hoje, é levar um sujeito que se chama Pedro, com vinte anos.
-Mas eu também me chamo Paulo.
-Como?
-Eu me chamo Pedro Paulo.
-A Morte ficou na dúvida. Resolveu então voltar a casa de Paulo Pedro.
Não encontro ninguém.
-Estão querendo me fazer de boba - a Morte pensou.
Voltou a festa. Lá estavam os dois irmãos, muito alegres. Pensavam que a Morte tinha desistido.
A Morte olhou para eles. Mesma cara, mesmo cabelos, mesmas roupas.
Ela se aproximou.
-Quem é Pedro?
-Eu – os dois disseram – Pedro Paulo e Paulo Pedro.
A Morte nãp costumava se enganar. Nem pensava no assunto. Simplesmente sabia quem tinha que levar. Mas agora estava confusa.
Pedro Paulo se animou:
-Você não sabe qual de nós tem de levar. É melhor não levar ninguém, para não cometer uma injustiça.
-Vou levar os dois – a Morte disse calmamente. –Assim terei a certeza de que não deixei o irmão certo.
-Mas como?! E o errado?!
-Acidente de trabalho.
-Você não pode fazer isso.
-Posso, sim. Vocês nasceram juntos, morrem juntos.
-Não nascemos juntos.
-Não?
-Eu sou dois minutos mais velho que ele – Paulo Pedro disse orgulhoso.
-Então é você o Pedro que eu quero – a Morte disse.
-Como?!
-Ouça.
O relógio da igreja bateu meia-noite.
-Está na hora e seu irmão ainda tem dezenove anos.
E o tocou com a gadanha antes que ele tivesse tempo de se arrepender de ter falado.
Moral da história: "Quem fala demais da bom dia a cavalo."

Ernani Ssó - Contos de Morte Morrida

Nenhum comentário: